Gely Arruda

Contos e Poesias

Textos


                                O socorro que veio do céu.

                         Recordo algumas passagens da minha infância com meu pai, moravamos no Paraná, ele era ferroviário e a cada ano moravámos numa cidade diferente, pois nem bem nos adaptavam, lá chegava a remoção do meu pai para outra estação de trem, e assim íamos tocando nossas vidas, entre um Natal e outro, os presentes de papai noel, as gravideses de minha mãe um a cada ano.
                       Recordo que na chegada de uma delas eu e meu pai aguardavámos, ansiosos, dentro de casa no quarto deles a parteira dona Bora, nós na varanda, de madrugada comendo pão com linguiça, eu a filha mais velha, acreditava ainda na cegonha, na esperança de vê-la ficava ali a noite toda.
                      Quando ouvíamos o choro da criança, ficava decepcionada por mais uma vez não ter visto a tal cegonha, lembro-me que meu pai e minha mãe brincavam conosco, meu pai vazia pocinho no chão para que tirassemos água, minha mãe inúmeras vezes na cantigas de rodas,ouvíamos novelas no rádio porque não tínhamos televisão, naquela época era coisa de rico.
                      Meu pai pelas razões que até hoje desconheço, pediu demissão do serviço a qual foi negada, então ele simplesmente abandonou o emprego, assim viemos embora para a casa da minha vó, terra natal dos meus pais, fomos recebidos de cara feia, claro um filho desempregado com mulher e seis filhos, quem quer? começaram as humilhações, de casa em casa, ninguem nos acolhia, minha mãe, começou a trabalhar de empregada doméstica, meu pai a beber, não conseguia emprego, passava o dia no bar enchendo a cara e a noite em casa agredia minha mãe, comia na casa da mãe dele e chegou ao cúmulo de tentar vender a casa que morávamos que era alugada, foi o cheque mate para minha mãe que cansada de apanhar e ainda ter que trabalhar para sustentar a casa o mandou embora, nos alimentávamos com sopa de mandioca que meu avô trazia da roça e com as sobras que minha mãe trazia da casa da patroa.
                    Crescemos e tocamos nossas vidas, minha mãe evoluiu, estudou, tornou- se Inspetora de Aluno, meu pai se acabou na bebida, tornou-se um mendigo, vivia como um andarilho ali e aqui.
                    As vezes que íamos na casa de minha mãe, ele aparecia, carente pelo amor dos filhos e dos netos os quais nunca teve. Na última visita a minha mãe, como sempre ele estava lá sentado no coreto esperando eu sair para me ver, mas eu não quis vê-lo e não sai, tinha levado umas roupas para ele e pedi para minha mãe dar a ele já que vinha embora no outro dia e ela disse que não, então resolvi que no dia seguinte lhe entregaria.
                   Mas ele não apareceu, então peguntei por ele ali no bar e me disseram que ele estava muito doente que tinha vindo apenas para me ver, como não conseguiu ficou de voltar se não apareceu provavelmente não melhorou.
Descobri que morava numa vila muito pobre com uma senhora que estava cuidando dele, fui até lá, a qual me disse que ele não estava bem, pois tinha se esforçado muito no dia anterior porque foi se arrastandinho para ver se conseguia ver sua filha que morava em são Paulo que estava lá, então eu disse a ela, sou eu a filha dele e quero vê-lo.
                   Me senti rica pelo que eu tinha, diante de tanta pobreza, egoista e pobre de espirito diante da minha insensatez, onde estava o amor ao próximo o perdão, como pudera eu falar tantas vezes de Deus se o meu pai estava naquela condições, doente e sem ter o que comer.
Fui até o supermercado e comprei algumas coisas para ele, mas a mulher disse que ele nem estava podendo comer, só bebia leite, pois estava com cirrose bastante avançada, sai de sua casa na certeza que era a última vez que o via, no portão ficou acenando para mim, olhava para trás, lá estava ele me olhando com enorme tristeza.
                 Cheguei em São Paulo, e no dia seguinte recebi uma ligação da minha mãe, pois meu pai tinha morrido, voltei para o enterro, o velório foi uma alegria só, nunca vi um velório tão animado, só dava bebum, passaram a noite bebendo e contando piada.
                Minha irmã, uma delas, chorou muito, minha prima também, eu sinceramente achei que foi o melhor para ele, do jeito que vivia. sómente a morte amenizaria tamanho sofrimento.
                "A bebida em excesso, mata e destroi nossos sonhos".
Gely Arruda
Enviado por Gely Arruda em 28/06/2007
Alterado em 25/05/2009
Copyright © 2007. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.

Site do Escritor criado por Recanto das Letras